A cirurgia refrativa é um tratamento feito na superfície do olho (córnea) para alterar sua conformação e com isso corrigir o grau de óculos da pessoa. A cirurgia visa reduzir a dependência dos óculos ou mesmo dispensar seu uso.
Quem fez cirurgia de estrabismo pode fazer cirurgia do grau?
Pacientes que já fizeram cirurgia de estrabismo e que conseguem usar os olhos em conjunto (fundir as imagens) quando com os óculos, devem ser capazes de se submeter à cirurgia refrativa com segurança.
Eu posso ficar com visão dupla depois da cirurgia de grau (cirurgia refrativa)?
Sim, a diplopia (visão dupla) pode se manifestar após a cirurgia refrativa. Ela pode ser transitória e melhorar com o tempo ou ser persistente e necessitar de tratamento com prismas ou cirurgia de estrabismo.
Por que ocorre a visão dupla após a cirurgia de grau?
As principais causas que levam à visão dupla após a cirurgia de grau são:
- Problemas associados à cirurgia: cicatrização ou opacidade no local operado, área operada menor do que o recomendado para o paciente, ou descentração da área operada.
- Histórico de uso de prismas: é muito importante que o cirurgião tenha conhecimento de que o paciente usa ou já tenha usado prismas nos óculos, para que as opções em relação à cirurgia de grau sejam discutidas. Nos pacientes que usam prismas, a cirurgia refrativa pode reduzir o grau, no entanto manter a necessidade das lentes prismáticas e o paciente precisa saber disso antes do procedimento.
- Aniseiconia: situação na qual a imagem vista por um olho é diferente da vista pelo outro. A aniseiconia produz uma visão dupla, não pelas imagens estarem em posições diferentes, mas sim por terem dimensões diferentes (uma maior do que a outra, por exemplo). Deve-se ter cuidado no planejamento da cirurgia refrativa em pacientes com diferença maior do que 4 graus entre os olhos.
- Monovisão: correção intencional de um dos olhos para a visão de perto e o outro para visão de longe. Esta estratégia é muito usada na cirurgia refrativa na presença de vista cansada (presbiopia). No entanto, nos pacientes com estrabismo, esta abordagem pode gerar visão dupla. Existem alguns mecanismos pelos quais isso ocorre:- A monovisão prolongada não permite que os olhos funcionem ao mesmo tempo, combinando as imagens vistas por cada um deles, ou seja, não permite a fusão e visão de profundidade (estereopsia). E, por esta razão, pode descompensar desvios oculares intermitentes (como exotropia intermitente ou paresia de IV nervo antes compensadas).- A monovisão nos pacientes com estrabismo paralítico leva à fixação com o olho parético o que causa um desvio maior, que o paciente pode não conseguir compensar (desvio secundário).- A monovisão nos pacientes com estrabismo constante de um dos olhos pode levar à diplopia ao se fixar com o olho não dominante. Por exemplo, uma pessoa que sempre desvia o olho esquerdo e não tem visão dupla, é capaz de eliminar a imagem deste olho constantemente; quando esta pessoa passa a usar o olho esquerdo e desviar o direito, ela é incapaz de eliminar a imagem do direito (ausência de escotoma de supressão) e passa a ter diplopia. Isso é conhecido como fixation switch diplopia.
- Falha na obtenção do grau apropriado (problemas de acomodação): é importante conhecer a relação entre acomodação e convergência para entender os desvios convergentes (esotropia) e divergentes (exotropia). O grau planejado na cirurgia refrativa deve levar em conta o status de acomodação e convergência do paciente, não basta considerar o grau observado durante o exame.
Por que é mais comum ter problemas de visão dupla na cirurgia refrativa para hipermetropia do que para a miopia?
Dada a tecnologia atual, a cirurgia refrativa para corrigir a hipermetropia é menos precisa e mais propensa a flutuações pós-operatórias do que a cirurgia para corrigir a miopia.
É importante entender que a hipermetropia não é a imagem espelhada da miopia. Enquanto o tratamento da miopia se concentra em um alvo relativamente fixo: o erro refrativo cicloplegiado, no tratamento da hipermetropia, o alvo é menos estável, devido à influência variável da acomodação em cada paciente. Desta forma, o status clínico e o conforto do paciente dependem das sutilezas na interação da acomodação e do erro de refração, bem como da precisão técnica da cirurgia refrativa.
Quais exames posso fazer para evitar ter visão dupla após a cirurgia de grau?
Um exame oftalmológico com especialista em estrabismo identifica os fatores de risco para diplopia após a cirurgia refrativa.
Neste exame deve-se procurar pelo histórico pessoal de uso de prismas ou tampão, estrabismo, exercício ortóptico; checar os óculos em uso para pesquisa de prismas ou bifocais em pacientes jovens e fazer os testes de cobertura simples e alternada em uso dos óculos para longe e para perto. O exame da motilidade deve ser feito com a correção alvo da cirurgia para longe e para perto, principalmente nos casos de monovisão.
Deve-se medir a refração dinâmica (sem cicloplegia) e cicloplegiada de todos os pacientes, sendo o cloridrato de ciclopentolato o agente cicloplégico preferido. Para a refração dinâmica nos pacientes com miopia, o ponto final deve ser o grau mais fraco que fornece melhor acuidade visual. Para pacientes com hipermetropia, a hipermetropia absoluta (quantidade mínima de correção necessária para a melhor acuidade visual) e hipermetropia manifesta (hipermetropia máxima aceita que permite a melhor acuidade visual) devem ser observados antes da cicloplegia.
Para a refração cicloplegiada em pessoas com miopia, a menor quantidade de correção necessária para a melhor acuidade visual deve ser novamente determinada e sua diferença para a refração dinâmica deve ser anotada. Nos hipermetropes deve-se avaliar o grau máximo que permite a melhor acuidade visual e sua diferença para a hipermetropia manifesta deve ser anotada (hipermetropia latente).
O astigmatismo corneano deve ser avaliado pela topografia em condições mono e binoculares. Caso haja diferença grande no eixo entre as duas condições, há risco de diplopia e o eixo deve ser reavaliado em consultório e na cirurgia.
Amplitude fusional pode ser testada em pacientes com risco alto para diplopia pós refrativa (vide abaixo).
Como saber quem tem mais risco de ter visão dupla após a cirurgia de grau?
BAIXO RISCO:
– Pacientes sem história de estrabismo ou diplopia;
– Pacientes sem prismas atualmente em seus óculos;
– Pacientes com miopia;
– Pacientes com menos de 4 D de anisometropia;
– Pacientes com não mais do que uma foria mínima no teste de cobertura alternada;
– Pacientes com os óculos atuais, refração manifesta e refração cicloplegiada todos dentro de 0,5 DE um do outro;
– Paciente com esotropia acomodativa ou operados de estrabismo com boa amplitude de fusão (10 PD) com a correção da hipermetropia absoluta.
RISCO MODERADO:
– Pacientes que não se enquadram no baixo risco;
– Pacientes com amplitude de fusão menor do que 5 D;
– Paciente usando prisma, mas confortável sem ele;
– Monovisão planejada nos quais o teste de monovisão com óculos ou lente de contato não provoca diplopia;
– Paciente com diferença maior que 2 DE nas refrações estáticas e dinâmicas;
– Paciente com astigmatismo com diferença grande no eixo entre as condições mono e binoculares.
RISCO ALTO:
– Pacientes que não se enquadram no risco moderado;
– Pacientes com esotropia acomodativa que requerem correção maior do que sua hipermetropia absoluta para controlar seu desvio;
– Pacientes com mais de 4 D de anisometropia e boa fusão apresentam alto risco de desenvolver aniseiconia sintomática.
DICA: Um teste com lentes de contato pode ser útil para determinar como esses pacientes responderão a uma mudança do correção óptica mais próxima do plano corneano.
RECOMENDAÇÃO: qualquer paciente com de alto risco deve ser avaliado por alguém com especialização em estrabismo antes de ser submetidos à cirurgia refrativa.
Em algumas situações, um risco moderado ou alto de diplopia não é uma contraindicação absoluta para cirurgia refrativa. Muitos pacientes podem optar por se submeter a cirurgia refrativa e tratar diplopia, se esta ocorrer, com a cirurgia de estrabismo. Neste caso, é recomendado que a cirurgia de estrabismo seja realizada após a cirurgia refrativa. É importante notar que esta opção não terá sucesso para os pacientes nos quais a diplopia é causada por aniseiconia iatrogênica ou se resultar da monovisão.
A seguir estão alguns exemplos de descompensação do estrabismo e surgimento de diplopia após cirurgia refrativa.
- Paciente jovem com miopia que tinha o costume de tirar os óculos para ler, passou a ter diplopia para perto após a cirurgia refrativa. Ocorre que a paciente tinha desvio convergente quando lia com os óculos, mas percebia apenas um desconforto à leitura. O desvio não diagnosticado, passou a se manifestar junto com diplopia após a refrativa.
- Paciente jovem com esotropia acomodativa, com desvio maior para perto e em uso de bifocal, passou a ter diplopia para perto após a cirurgia refrativa. Ocorre que o plano cirúrgico almeja a correção para visão de longe, sem considerar o bifocal em uso pela paciente.
- Paciente com exotropia intermitente em uso de óculos com hipercorreção da miopia passou a ter diplopia após cirurgia para o grau cicloplegiado (não foi considerado que a hipercorreção mantinha o desvio controlado). O mesmo ocorre com pacientes com exotropia intermitente hipocorrigidos para hipermetropia.
- Paciente com esotropia acomodativa passou a ter diplopia após cirurgia para o grau de hipermetropia absoluta (grau mínimo que confere melhor visão); não foi observado que o paciente usava uma hipermetropia maior do que a absoluta para o controle da esotropia, mantendo a melhor visão.
Fonte: Kushner BJ, Kowal L. Diplopia After Refractive Surgery. Arch Ophthalmol 2003.