Estamos vivendo um momento histórico com o início das viagens comerciais ao espaço. Por enquanto, poucos felizardos são capazes de pagar os milhares de dólares para embarcar nas naves da Virgin Galactics, Blue Origin, SpaceX entre outras empresas que buscam levar civis ao espaço. Mas, quem sabe, num futuro não tão distante, este turismo estará ao alcance de todos?!
Ao mesmo tempo, cresce a necessidade de termos conhecimento de alterações e danos ao corpo humano desta jornada. Neste texto, falaremos em alterações oculares da gravidade zero.
É interessante saber que as pessoas têm tolerâncias diferentes à força da gravidade. E, mais do que isso, muitas das alterações que precedem quadros mais sérios são exatamente as visuais ou oftalmológicas!
Quais alterações oculares podem acontecer em pilotos?
Quando há redução (um avião descendo ou em queda livre) ou aumento (aceleração brusca) da força da gravidade, o sintoma mais leve que o piloto pode sentir é a perda da visão de cores. Na sequência, pode-se ter uma perda transitória da visão periférica (visão em túnel). Após, pode haver escurecimento completo da visão de ambos os olhos, sem perda da consciência. E, por fim, a perda da consciência. Além disso, diversos sinais oculares podem acontecer, como sangramentos das pálpebras, da conjuntiva ou ainda da retina.
Por que estas alterações visuais ocorrem quando há redução da força da gravidade?
A perfusão de algumas partes nobres do globo ocular depende de um equilíbrio entre a pressão do corpo (pressão arterial média) e a pressão intraocular (PIO). Quando há uma alteração da força da gravidade, há também uma redução da pressão do corpo, porém a PIO se mantém estável, levando a uma diminuição do fluxo de sangue para a retina e o nervo óptico. Isso vai levar a sensação de perda da visão periférica inicialmente.
O que acontece com os astronautas que ficam um longo tempo em condições de gravidade zero?
O longo período sob gravidade zero provoca inúmeras alterações no corpo do astronauta. Entre elas estão a redução da massa óssea e muscular e alterações no sistema cardiovascular como, irregularidades no ritmo cardíaco, mudanças no volume de sangue e redução da capacidade aeróbica.
O que acontece nos olhos destes astronautas submetidos a missões longas?
Os astronautas que ficam muito tempo submetidos à gravidade zero também podem apresentar lesões oculares importantes. Estas alterações incluem edema do nervo óptico, sinais de isquemia (déficit de irrigação sanguínea) da retina, encurtamento do globo ocular, além de mudança no grau dos óculos (hipermetropização).
Este conjunto de sinais foi inicialmente chamado de síndrome de deficiência visual e pressão intracraniana (visual impairment and intracranial pressure – VIIP), pois se acreditava que acontecia devido ao aumento da pressão intracraniana. Como esta hipótese não foi completamente confirmada, permanecendo sem causa definida, o nome foi atualizado para síndrome neuro-ocular associada a vôo espacial (do inglês, spaceflight associated neuro-ocular syndrome – SANS). Mesmo após retornar às condições gravitacionais da Terra, as lesões oculares levam anos para serem revertidas.
Apesar de estas alterações serem relevantes do ponto de vista da anatomia ocular, a princípio, não há prejuízo na acuidade visual e não precisam de tratamento.
Acho que dá pra incluir uma última frase assim: e você, topa uma viagem pro espaço?!
Fonte:
Eiken O. Intraocular pressure and cerebral oxygenation during prolonged headward acceleration. Eur J Appl Physiol. 2017
Alperin N. Role of Cerebrospinal Fluid in Spaceflight-induced Ocular Changes and Visual Impairment in Astronaut. Radiology. 2017
Patel N. Optical Coherence Tomography Analysis of the Optic Nerve
Head and Surrounding Structures in Long-Duration
International Space Station Astronauts. JAMA Ophthalmol. 2018
