A cirurgia de catarata tem sido realizada há mais de 2000 anos, e por muito tempo foi envolvida de uma certa mística. Isso ocorreu pelo fato de que, removendo o obstáculo que muitas vezes era intransponível para os raios luminosos, restaurava-se alguma capacidade visual do indivíduo.
A primeira descrição cirúrgica foi encontrada no Susruta (século I), na qual a técnica de couching (quando a catarata é empurrada na direção do vítreo) era realizada com dois instrumentos. Acredita-se que esta técnica já era realizada na Índia muito antes, porém não há documentos precisos indicando quem realmente a inventou. O relato mais antigo que permanece preservado até hoje pertence ao médico romano Aulus Cornelius Celsus (25 a.C. a 50 d.C) (adaptado do livro Cirurgia de Catarata, Flávio Rezende).
Por muito tempo, ser submetido a este procedimento era praticamente sinônimo de necessidade de uso posterior de espessos óculos por conta do alto grau de hipermetropia e astigmatismo que surgia após a extração da catarata e das suturas (pontos) que eram necessárias para o fechamento da grande incisão realizada para a sua extração.
No final do século XX, as vantagens da realização de incisões menores na cirurgia de catarata ficaram evidentes e, mais precisamente a partir da década de 90, esta cirurgia sofreu uma revolução de resultados graças à popularização da técnica de Facoemulsificação e uso das lentes intraoculares (LIOs) dobráveis.
A moderna cirurgia de catarata, apesar de ser um procedimento com duração relativamente curta, envolve etapas que se encadeiam e são extremamente dependentes para o bom resultado. A seguir, vamos esmiuçar as principais etapas da cirurgia, buscando esclarecer de forma simples algumas dúvidas bastante técnicas, mas que fazem parte do dia a dia de todo o cirurgião de catarata.
Vamos dividir a cirurgia em 4 etapas: tipo de anestesia, incisões e acesso à catarata, retirada da catarata, implante de lente intraocular. Falaremos também sobre o que significa a cirurgia de catarata a laser.
Tipo de anestesia
Antes da popularização da cirurgia de catarata com micro incisão, o tipo de anestesia adotado de rotina era a anestesia peribulbar ou ainda, a retrobulbar. Nestas técnicas, o anestésico é injetado em volta ou atrás do globo ocular, através da punção destes espaços com auxílio de agulha na região orbitária superior ou inferior. Este ainda é um tipo de anestesia amplamente utilizado em muitas cirurgias oftalmológicas.
Contudo, a cirurgia de catarata com micro incisão permitiu que a anestesia tópica ganhasse espaço de forma segura para o procedimento, e cômoda para o paciente. Nesta técnica, é realizada a instilação de anestésico sobre a superfície do olho através de colírio, sem a necessidade de injeções ao redor do globo ocular. Vale ressaltar que independente do tipo de anestesia, é realizada sedação, de forma que o indivíduo fique relaxado ao longo do procedimento. Afirmar que uma anestesia é melhor do que a outra seria impreciso. Contudo, é justo afirmar que dentre as principais vantagens da anestesia tópica, está a diminuição de risco de sangramento e consequentemente, hematomas ao redor e sobre o olho.
Estes hematomas podem gerar desde comprometimento estético transitórios e pouco importantes, até grandes hematomas que podem gerar complicações. A escolha da abordagem anestésica deve considerar desde fatores subjetivos como o grau de colaboração e relaxamento do paciente, até fatores técnicos e específicos de cada caso, que levem à necessidade de maior manipulação e tempo cirúrgico.
Incisões e acesso à catarata
São realizadas duas incisões para a moderna cirurgia de catarata. A incisão principal possui largura geralmente entre 2.2 mm e 2.75 mm, e a incisão acessória cerca de 1.0 mm. Estas incisões são confeccionadas de tal maneira que, após a retirada dos instrumentos cirúrgicos, elas se fechem e não seja necessária a realização de suturas (pontos) para a sua cicatrização. Por este motivo, são chamadas incisões auto selantes.
Após a confecção das incisões, o próximo passo cirúrgico é a criação de uma abertura circular na região anterior de uma espécie de invólucro da catarata, denominada cápsula. É de suma importância que estes passos sejam realizados de forma precisa, pois caso contrário, a próxima etapa, que é a remoção da catarata propriamente dita, pode ser comprometida.
Retirada da catarata
Como dito anteriormente, a substituição da estratégia de retirar a catarata inteira por uma grande incisão pela sua retirada por pequenos fragmentos, através de uma pequena incisão foi uma das grandes revoluções da cirurgia. Este feito foi alcançado graças ao advento da Facoemulsificação. Trata-se de um aparelho capaz de quebrar a catarata através do emprego de ultrassom e ao mesmo tempo, aspirar os fragmentos resultantes deste processo.
Os aparelhos de Facoemulsificação da geração atual permitem que praticamente qualquer catarata, das mais iniciais às mais avançadas, sejam retiradas de forma segura para a preservação da saúde ocular.
A cirurgia de catarata a laser
Nos últimos anos, o emprego do laser de Femtosegundo se mostrou útil em algumas etapas da cirurgia, que tradicionalmente são feitas de forma manual com a utilização de bisturis e pinças. São elas: incisões, abertura da parte anterior da cápsula que envolve a catarata, quebra inicial da catarata em pedaços menores. O uso desta tecnologia para estes passos ficou popularmente conhecido como “cirurgia de catarata à laser”. Vale enfatizar que a remoção da catarata é feita da mesma forma, ou seja, com o uso da Facoemulsificação.
O principal argumento favorável ao uso desta tecnologia é o de oferecer maior reprodutibilidade, ou seja, maior chance de realizar as etapas cirúrgicas citadas de forma adequada e por consequência, trazer maior segurança para a cirurgia.
Apesar do laser ter revolucionado diversas áreas em oftalmologia, em relação à cirurgia de catarata, quando comparados aos resultados da cirurgia padrão sem uso de laser realizados por cirurgiões experientes, houve pouca ou nenhuma diferença no resultado final. Além disso, o maior custo da cirurgia pelo uso de uma tecnologia adicional deve ser considerado na decisão do paciente e médico.
Implante de lente intraocular
Ao final da remoção de toda a catarata, o olho está pronto para receber o implante da lente intraocular (LIO). As lentes modernas são dobráveis. Isso significa que ela é capaz de ser introduzida no olho de uma forma que a incisão necessária para tal seja muito menor do que o diâmetro da lente quando aberta. As lentes intraoculares modernas são capazes de passar por incisões menores até do que 2.0 mm. Foi justamente a junção da Facoemulsificação com o emprego das lentes dobráveis que passou a ser possível a realização de toda a cirurgia sem necessidade de realizar suturas (pontos) para fechamento das incisões.
Sem dúvida, esta etapa da cirurgia é a que gera mais dúvidas e que o paciente tem maior envolvimento, afinal de contas, decisões a respeito de qual lente será implantada devem ser feitas. Existe uma vasta gama de opções e a escolha deve ser antecedida de uma criteriosa avaliação clínica, orientação quanto às vantagens e desvantagens de cada tipo de lente e ajuste da expectativa do paciente. Em breve, dedicaremos uma publicação exclusiva para este tema. Fiquem atentos!